quarta-feira, 27 de abril de 2016

Contos da Solitária (4)

Ser da noite


Em mais um dia de trabalho ouvia meus colegas falando sobre meninas desaparecendo pelo bairro:

- Já é a terceira noite seguida que uma garota desaparece, algo ruim está acontecendo.
- Deve ser um tarado, sinto pena dos pais.
- Não vamos pensar o pior.

Eu preocupada já pensei "tenho que voltar cedo para casa" e foi o que fiz, sai as 18:00 e peguei o ônibus que saia próximo a minha rua. Foi tranquilo, ainda era cedo e tinha muita gente na rua. Ao pegar o elevador a velhinha que eu sempre cumprimentava estava chegando na mesma hora com suas compras do mercado, quis ajudar ela. Ela percebendo que eu estava chegando cedo em casa perguntou:

- Voltou mais cedo hoje?
- Sim, me sentia cansada.
- Pois faz certo minha cara, dizem que tem meninas desaparecendo por ai...
- Ouvi dizer.
- Já é a terceira noite que uma menina desaparece, mas já desapareceram outras antes.
- Nossa, disso eu não sabia.
- Eles abafam tudo, deviam deixar todos alertas, mas preferem abafar. Se você quer saber o meu sobrinho trabalha na policia e eles dizem que não é um caso qualquer.
- Mas por que isso? - minha curiosidade despertava.
- Ele disse para mim não comentar com ninguém, mas eu sei que você pega ônibus todo dia e a coisa ataca no ônibus, mas as câmeras do ônibus não conseguem pegar o que fala com as meninas. Depois que as meninas descem do ônibus é que desaparecem. Para mim isso não é coisa de Deus. Esteja sempre com uma proteção viu menina?

Terminava de ajudar ela de levar as compras para o apartamento. Agradeci e disse para ela tomar cuidado também, mas ela me respondeu rindo:

- Quem vai querer alguma coisa com uma velha senhora? Só Deus mesmo.

Ao entrar de novo no elevador olhava para a câmera refletindo. Que tipo de coisa não pode ser vista pelas câmeras? Talvez eu não tenha entendido direito o que ela falou.
Ao chegar em casa me sentia aliviada, gostava da luz da noite que entrava pela minha varanda, sentei na minha rede e a minha câmera que eu deixava ligada para pegar alguma atividade de sonambulismo minha ainda estava lá, mas eu já não tinha flagrado mais nada pela câmera, então com certeza as coisas que aconteceram antes foram alguma crise de sonambulismo e não algo sobrenatural. Foram apenas sonhos. Mas realmente seria perigoso ter outra crise de sonambulismo.
Levantei e olhava para baixo vendo a cidade. Nada me parecia estranho, já era quase 20 horas, o horário que eu estaria chegando normalmente. Eu não poderia sair do trabalho cedo sempre.

No dia seguinte o assunto das garotas sumindo tinha morrido. Mas eu ainda me sentia preocupada, veria quem desce no mesmo ponto que eu para me acompanhar até próximo da minha casa.
E mais um dia de trabalho se passava... ao chegar no ônibus fiz amizade com uma moça que desceria no mesmo ponto. Ela tinha que virar uma rua antes da minha e então eu aceleraria o passo até a porta do meu prédio. Por algum motivo eu sentia medo. Algo me observava. Mas enfim cheguei em casa. Observei um pouco a cidade da varanda de novo e fui dormir.


Ela era tão linda... eu preciso dela...


Naquela noite ao sair do trabalho resolvi passar no mercado, adorava fazer compras, ia fazer um jantar pra mim com muito alho, fazia tempo que eu não cozinhava e eu simplesmente adoro alho! Tudo tem que ter alho. Alho faz bem, alho desintoxica o organismo, tem coisa melhor que alho? Então fiz minhas comprinhas, algumas coisas que faltavam em casa. E hoje ia ser macarrão. Estava empolgada andando com o carrinho pelo supermercado. Paguei e fui embora.
Já era tarde e eu acelerava o passo de novo, ao entrar no meu prédio cumprimentava sempre o porteiro e um carro entrava na garagem ao mesmo tempo que eu entrava.
Subi pelo elevador e levei minhas compras para dentro, fechei a porta e fui preparar meu jantar. As vezes eu tinha que deixar de preguiça e cozinhar. Fazer o molho, macarrão ao alho... talvez eu tenha exagerado, mas alho é bom então tudo bem. Ao terminar de preparar fui comer a luz de velas e depois fui pra minha varanda. Sentia uma preguiça e dormi...
Acordei no meio da noite, tive a impressão de ouvir minha porta abrindo. Tomei um susto e fui olhar a casa, mas não vi nada. Sentia medo e resolvi voltar para a minha varanda.
Nessa hora ouvi alguém atrás de mim...
Ao virar dei cara com um garoto de cabelos pretos nos ombros, olhos vermelhos bem abertos que brilhavam no escuro me olhando de forma maligna. Sua pele era branca, muito branca e suas roupas eram pretas. Ele me segurava forte com as mãos próximas aos meus ombros.
E então eu me toquei que tipo de coisa não aparecia nas câmeras.
Perguntei:
- Como conseguiu entrar? Fora da minha casa!
- Ah eu não quero ir embora agora, te achei tão linda.
- Me solta! - tentava me soltar, mas ele era forte e suas mãos bem geladas.
- Você não vai querer me expulsar, você me quer também...
- Não! O que você fez com as garotas que sumiram? - eu ainda me remexia na esperança de me soltar.
- Eu não podia deixar elas por ai entende? - e por um momento eu parei de me remexer e olhei para os olhos dele que me hipnotizavam profundamente. Ele se aproximava me olhando e sussurrou:
- Viu como você me quer também...
Ele encostou os lábios no meu e então... ALHO!
Ele me soltou tão rápido que cai e saiu correndo pra tão longe que só vi a sombra preta e o vento indo embora. Me senti até chateada. Tinha esquecido de escovar os dentes. Me senti uma porca. Eu não achava que alhos realmente afetassem vampiros.
Fui fechar a porta e vi um grampo caindo da fechadura. Esperto ele. Fui escovar os dentes logo depois.
Sentei na varanda e fiquei refletindo.. espera, eu estava bem acordada, ele não poderia ser um vampiro. Talvez seja apenas o louco que ataca as garotas e deve se achar um vampiro. Como ninguém viu ele entrando no prédio? Engraçado, ele se parecia com um personagem que eu vivia desenhando...


Continua.

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